Cotas universitárias





Acordei duas horas da manhã e estava ainda passando o programa do Jô. O entrevistado era Raphael Marcon, especialista em colunas (parte óssea do corpo humano). Estava lindo e maravilhoso ouvir a sua história de vida, estava interessante mesmo saber sobre a sua conquista como médico, principalmente quando disse ser um filho de uma costureira e ter alcançado um alto nível de colocação no mercado de trabalho. Estava lindo e maravilhoso até escutar ele dizer que era da época que não existiam cotas. Deste ponto em diante do seu comentário fez desandar o bolo e cair todo o conceito que estava construindo sobre ele dentro de mim.
Se você é negro entenderá o que estou querendo transmitir neste texto, se não for, peço a Deus que compreenda e entenda as minhas razões que irei expor adiante.
Você não sabe o que é ser negro todas as vezes que se menciona o assunto sobre cotas, caso você seja de etnia branca. Assim como não saberei o que é ser de etnia branca.  Mas deixa-me ser bem claro aqui, amo minha cor. Não tenho nenhum tipo de autopiedade, sou de bem com a vida. Se pudesse voltar em outra vida, queria ser negro. E além do mais, sou casado com uma mulher branca, tão branca como o leite. Outra coisa, meus olhos penetram outro ser humano com cabeça erguida e respeitosamente.
Mas que fico bravo quando tentam incitar discórdia entre negros e brancos. Aí fico muito bravo mesmo.
A palavra cota significa atualmente, conflito entre duas etnias: a  negra e a branca.
Muitas pessoas de etnia branca que não conseguem entrar numa universidade, atribui aos negros a culpa de não conseguir tal feito, como que, algum negro tomou o meu lugar por causa da cota universitária.
Estes dias uma mulher conhecida minha, contava-me que sua filha de 16 anos a questionava sobre as cotas, como que se ela soubesse a problemática que está cobrindo a tudo que se refere a etnia negra: escravidão, liberdade da escravidão, maior número de pessoas negras pobres no Brasil em relação a etnia branca, preconceito velado e etc.
Ela me disse que sua filha tinha um conceito e pronto.
Então, é exatamente neste ponto que quero entrar. No semear de discórdias entre duas etnias: negra e branca.

Pois é somente isto que estou vendo fazerem com declarações capciosas dia após dia, tal como a declaração feita por este doutor. Ora nossa herança, a dos negros me refiro, é de uma recente libertação escravista. E que estes resquício ainda respingam em nossos dias atuais.
Leia duas verdades:
Já o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) defendeu as cotas para negros e minorias. "Precisamos pensar que os negros bem-sucedidos na nossa sociedade são exceção. Os negros têm barreiras intransponíveis", afirmou Crivella. "Vejo nessa lei uma generosidade", acrescentou.

 Lamounier acrescentou que a aprovação da lei vai criar conflitos, não só na disputa por vagas nas universidades, mas também no mercado de trabalho. "A definição de quem terá o privilégio para o acesso às cotas vai gerar conflito. Vamos semear o conflito racial. Vai ser criada a racialização do direito brasileiro", ressaltou.

As duas verdades estão acontecendo.
Só que, quanto a declaração deste doutor, fiquei pensando, ele se referia ao dizer sobre sua  capacidade em ser o que é, homem elevado, chegou em tal nível, sem ter que precisar de uma cota para universidade. Ele me fez refletir, com esta sua falácia.  Outra coisa, que me veio na mente foi imaginar que naquele mesmo instante ouvindo a sua fala poderiam existir milhares de pessoas compartilhando do mesmo pensamento que ele externou, e isto me chateou e me fez ligar o notebook e concretizar estes pensamentos em realidade.
É difícil para o homem e mulher branco pobre? Sim. E te digo, muito mais difícil para um homem e mulher negro.
A chateação foi tanta que achei a hora certa de abrir esta discussão neste blog para uma brainstorm sobre o assunto.
Só, para que você entenda, vou fazer um comentário sobre a minha pessoa.
Por que me feriu? Porque sou negro. E me sinto maltratado por este país todas as vezes que escuto uma frase como esta. Dá a entender que o negro não tem capacidade de entrar numa universidade sem Cotas. O que não é verdade.

A verdade sobre o assunto é a sistematização da educação, desde 1954 deste país, até agora. Se de lá para cá houvesse uma justiça em todos os aspectos e uma condição igualitária entre negros e brancos para ocupação de tal nível que este doutor se gaba ter, talvez existisse mais negros na universidade e muito mais negros formados ocupando cargos de expressão.
Quer dizer que não existem negros graduados? Existem juízes, advogados, professores, mas poderia ser um número maior.

A questão é, ninguém chega para um negro e manda ele embora de uma universidade explicitamente. A problemática está na sua luta pela permanência dentro dela, para que possa realizar sua pesquisa, seu ensino e sua extensão de forma digna e de cuca fresca.
Esta é minha opinião. Pode até ser com dinheiro contado nestes quatro anos, mas pelo poderá bancar seus estudos durante estes quatro anos com apostilas, passagem de ônibus para chegar na universidade, moradia seja num pensionato cristão ou numa república e garantirá a sua alimentação.
Pois muitos negros moram distantes de suas casas, ralam sozinhos e mesmo assim, buscam um meio de estudar.
Aí sim, esta problemática será igualitária. Pois não é só apenas jogar o universitário dentro de uma vida acadêmica, um outro conjunto de fatores tem que ser pensado que contribua para que ele chegue lá neste alto nível, como referiu sobre si mesmo, o doutor Raphael Marcon, 25/05/ 2011 no programa do Jô.    
A realidade é como contou-me o meu pai uma certa vez. Ele me disse que havia pulado o portão da escola, quando estava na segunda série para trabalhar. Ele havia me dito que ninguém havia dito a ele para se retirar da escola. Mas um montante de fatores o levaram a esta solução. A falta de dinheiro dentro da casa de meus avós fez ele tomar esta atitude. E quantas pessoas, então, neste ano de 2011 não estão numa situação como a que esteve o meu pai? Acredito que muitas pessoas estejam assim, quebrando pedras,   em trabalhos escravos, sem ter a condição de permanecer nos seus estudos dignamente. E neste ponto, já não é uma questão de etnia, mas de negros e brancos.

Então, o meu apelo é para que o governo seja mais justo socialmente, dando maior condições aos negros neste país, descentralizando a riqueza que está mais nas mãos dos ricos brancos do que nas mãos dos pobres e negros, a fim dele poder lutar com as mesmas armas que os brancos, para alcançar o nível elevado.

O que não podemos mais ouvir é incitações entre negros e brancos enquanto o governo se isenta ileso de suas responsabilidades.
Põe as duas etnias para brigarem, enquanto, ele assiste pomposamente a luta dos dois.

Achei interessante o que escreveu este rapaz chamado Daniel em sua coluna e que não é negro: “As cotas sejam elas "racias" ou não vem em benefício para que a sociedade como um todo, e sinceramente a para os negro é não só justo como uma obrigação do Brasil como um todo pelos anos de opressão e escravidão é o mínimo que pode ser feito, visto que na "libertação" dos escravos não teve nenhum plano de alfabetização ou inclusão social para os libertos”.

 Foi exatamente o que escrevi sobre o problema da sistematização de 1954 quando se estabeleceu carteira, giz e o quadro. Se deste início para cá, existisse uma política igualitária, não estaríamos necessitando de cotas como hoje acontece.
Estes dias, um mês atrás deste post,  um negro subiu no mastro onde encontra a bandeira nacional de nosso Brasil em Brasília e ateou fogo. Foi preso dizendo o seguinte: ”Estou cansado de ser maltratado por este país.” Esta professora Amanda Gurgel disse também: “Em nenhum momento, até hoje, entrando e saindo governo, a educação foi prioridade em nosso país.”
Quer dizer, a educação deve ser uma prioridade para todos. Assim, todos poderão exercer seu papel de estudante e poderão exercer com dignidade a sua cidadania.  
Melhor morrer educado, do que morrer ignorante.
Melhor criar opções de emprego, com uma mentalidade educada, do que néscia.

E isto não poder ser só no período da universidade. Não, mas desde o ensino base, para que se possa parar com esta ideia errônea de que negros estão pedindo esmolas e clemência para entrar numa universidade por meios de privilégios.
Negro algum está pedindo para entrar na universidade por meio de misericórdia. Pelo contrário, na UEMS, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul quando fazia Letras, eu mesmo sentava na sala de informática com brancos para realizar minhas pesquisas de forma democrática, fazendo os meus deveres como todos de igual para igual, em seminários e assim por diante. Dando minha cara a tapa, sozinho muitas vezes, pois, os indígenas até aquele momento, tinham  sala de informática separada. E muitas vezes ouvindo professores mencionarem sutilmente que minha presença lá, deveria ser batalhada. É horrível esta situação. Cria-se uma inimizade e disputa dentro de sala de aula desnecessária. Tem que acabar estas coisas.  
Todos precisam de ferramentas iguais para torcer o parafuso. E lutar de igual no mercado de trabalho.
Sou favorável a um início de justiça social, mais igualitária e o fim das cotas. Isto resolveria o problema dos negros. Caso contrário, deixa como está. É necessário que todos tenham condições para bancar os seus estudos até o fim.  Porque negro nenhum está pedindo esmola para entrar numa universidade. Somos capazes sim. Se não estamos lá é por falta ainda de condições iguais.
O negro quer entrar com dignidade pela porta  acadêmica, sem ter que ficar sendo olhado com os olhos atravessados pelos seus colegas de sala.
Eu bem lembro que morava num pensionato cristão. Estudava no período da tarde. Pois o meu curso, tinha somente no período vespertino. Isto, trazia dificuldades para mim, de trabalhar em algum outro emprego para complementar o meu dinheiro que sustentasse os meus estudos. E muitas vezes, mas muitas vezes, tinha que sair vender meus livros para poder ir universidade. Enquanto outros acadêmicos que moravam no mesmo pensionato que eu, dormiam até as 10 ou 9 em sua vida esplêndida. Não tenho inveja de ninguém, mas se um pode, porque o outro não?
Olha não é complicado se pensarmos em igualdade. Eu sei que parece um discurso irreal. Pois o rico sempre haverá. Não me refiro a isto. Mas a condição de estudar. E que seja para todos. Eu não roubo, não mato, não cobiço coisas de ninguém, mas veja quantas pessoas neste mundo cobiçam? Sei que isto também irá sempre existir.  Mas se ao invés de se desperdiçar o dinheiro público fosse feito maior investimentos na educação, será que o Brasil não seria melhor?
Fica aí a pergunta para quem quiser responder.





JardimdoPantana-JKG

“Um sábio não diz que é sábio, mas um sábio sabe agradecer.” Sou isto, um pessoa que vive agradecida pela vida, pela família, pelo que aprende. Sou uma pessoa que pouco reclama. Na verdade, nunca reclamo. A reclamação, entendo como murmuração diante de Deus. Imagino que Deus fica triste na reclamação. Por isso, vivo em agradecimento pelo que sou e por tudo o que tenho.

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